A família Eriocaulaceae Martinov
As Eriocaulaceae são monocotiledôneas geralmente caracterizadas por apresentarem caule curto e folhas em roseta, do centro do qual emergem os escapos, protegidos na base por uma espata, terminando por densos capítulos portando minúsculas flores unissexuadas. Apesar desse padrão geral, ocorre muita variação nos caracteres vegetativos e florais das cerca de 1400 espécies da família.
Até o início da década de 1990, a família compreendia 13 gêneros, porém trabalhos recentes utilizando especialmente dados morfológicos das flores, associados com anatômicos e moleculares, propiciaram a sinonimização ou o reconhecimento de gêneros. Atualmente, são reconhecidos dez gêneros: Actinocephalus, Comanthera, Eriocaulon, Lachnocaulon, Leiothrix, Mesanthemum, Paepalanthus, Rondonanthus, Syngonanthus e Tonina.
Eriocaulaceae tem distribuição pantropical, e apenas Eriocaulon ocupa toda distribuição da família, com várias espécies ocorrendo também em regiões temperadas. Mesanthemum é restrito à África e Madagascar e Lachnocaulon à América do Norte. Os outros gêneros são neotropicais, sendo que algumas espécies de Paepalanthus e Syngonanthus ocorrem disjuntamente nos continentes americano e africano, porém a maior concentração ocorre na América do Sul. Rondonanthus ocorre apenas nos altiplanos do norte do Brasil, Guianas e Venezuela. O principal centro de diversidade da família está nos campos rupestres do Brasil, incluindo Minas Gerais, Bahia e Goiás, tendo um centro secundário de diversidade nos tepuis do norte da América do Sul.
Os campos rupestres no Brasil, são incluídos como parte do Bioma do Cerrado e ocorrem em topos de montanhas principalmente da Cadeia do Espinhaço e da Serra Geral de Goiás, que são formados de rochas de origem proterozóica e parte do Escudo Brasileiro. Os solos são arenosos, ácidos e rasos, e sustentam uma biota muito rica, com grande diversidade de espécies e o maior grau de endemismo de todos os tipos de vegetação do Brasil. Além das Eriocaulaceae, outras famílias com grande riqueza nos campos rupestres são: Velloziaceae, Xyridaceae, Melastomataceae, Compositae, Gramineae e Leguminosae entre outras. Ao longo de sua distribuição geográfica, as Eriocaulaceae ocupam vários habitats. Muitas espécies de Eriocaulon e poucas espécies de Leiothrix, Paepalanthus, Syngonanthus e Rondoanthus além do gênero monotípico Tonina são aquáticas ou anfíbias, ocorrendo geralmente com as raízes, folhas, espatas e parte dos escapos submersos. Tais espécies podem ocorrer em margens de rios rasos, lagoas ou até presas as paredes de cachoeiras. As plantas terrestres das Eriocaulaceae ocorrem geralmente em solos arenosos, tanto nos campos rupestres e tepuis como nas restingas, dunas interiores ou margens de rios.
Também, podem ocorrer em solos pantanosos escuros que ocorrem nos campos rupestres e nos “tepuis”. Geralmente habitam áreas abertas e ensolaradas, porém, algumas espécies vegetam diretamente nas fendas de rochas, na sombra de grandes blocos de rochas, em bordas de cavernas ou formam parte do subosque das florestas montanas.
As Eriocaulaceae têm importância econômica, para os habitantes e municípios dos altos da Cadeia do Espinhaço em Minas Gerais e Bahia e da Serra Geral em Goiás, onde são conhecidas popularmente como “sempre-vivas” ou “everlasting plants” (nos países fora do Brasil). Os escapos com capítulos são coletados na natureza, secos ao sol e organizados em buques ou arranjos ornamentais. Permanecem muitos anos sem murchar ou perder a forma. A principal cidade de comercialização é Diamantina, em Minas Gerais. Na Bahia, a Comanthera mucugensis que foi muito comercializada na região de Mucugê, está atualmente com o seu extrativismo e comercialização proibidos. Mais recentemente, começou a ser utilizado, inicialmente na região do Jalapão (Tocantins) e depois também nas áreas da Serra do Espinhaço, os escapos de Syngonanthus nitens, com o nome popular de “capim-dourado”, para produção de artesanato variado que inclui desde bolsas e pequenas caixas até bijuterias. Também, Syngonanthus chrysanthus das restingas do Sul do Brasil, tem sido comercializada como planta viva em potes, na Alemanha e Inglaterra. A sustentabilidade do extrativismo das espécies de Eriocaulaceae é importante tema a ser discutido especialmente se tais espécies forem endêmicas ou ameaçadas de extinção.
Nos últimos 40 anos, mais de 30 pesquisadores de várias instituições principalmente do Brasil, têm se dedicado ao estudo de Eriocaulaceae sob diversas abordagens incluindo morfologia, anatomia, fisiologia, taxonomia, citotaxonomia, filogenia, ecologia, química, extrativismo, modelagem e conservação. Assim, podemos considerar que o conhecimento dessa família tipicamente brasileira, com mais de 600 espécies no país, atinge aproximadamente o mesmo padrão científico de outros grupos considerados como de grande importância econômica.
Dra. Ana Maria Giulietti Harley
Professora aposentada, Bolsista Senior do CNPq,
Profa. Permanente da Pós-Graduação da UEFS,
Associate Research do Royal Botanic Garden, Kew, Inglaterra,
Membro Titular da Área de Ciências Biológicas da Academia Brasileira de Ciências;
Vice-Presidente da Sociedade Botânica do Brasil – SBB
Actinocephalus bongardii (A. St. Hil.) Sano
Nomes populares: casadinho, agarradinho, buquê-de-noiva, amor-de-velho, bem-casado e em Goiás conhecida como chuveirinho.
A dispersão de A. bongardii apresenta um mecanismo singular, em que os escapos, na maturação do capítulo, deixam de ter a disposição esférica e passam ter uma conformação fortemente umbeliforme, tornando mais eficiente a ação do vento como agente dispersor.
Os nomes populares atribuídos a A. bongardii têm a ver com os escapos e capítulos que geralmente se entrelaçam quando as inflorescências são colhidas, tornando-se difícil isolá-los. Há poucos registros de uso econômico ou ornamental para a espécie. Entretanto, sua grande importância encontra-se associada à conservação do Cerrado, por ser espécie de forte apelo estético e pelo fato de ocorrer exclusivamente em solo brasileiro.
Dr. Paulo Takeo Sano
Professor do Departamento de Botânica,
Instituto de Biociências (IB),
Universidade de São Paulo (USP)